É preciso que alguém seja a favor dos
vencidos.[1]
Os nossos governantes, em sua maioria, não governam para
todos. Defendem os interesses de sua classe social, bem como daqueles que lhes
patrocinam as campanhas. Se você é rico, todas as portas se abrem. Você pode
ser amigo do Governador de algum Estado, pode ser recebido no Gabinete dos
Secretários de Governo ou de Senadores, Deputados e Vereadores. Se é um “comum”,
alguém da classe média baixa ou mesmo pobre, que se contente com os protocolos
administrativos das repartições públicas e seus prazos. Agora, se for um “miserável”...
Dificilmente terás quem olhe por você. Que digo! Para os extratos inferiores da
sociedade, quando os endinheirados ou poderosos se incomodam com a presença dos
“miseráveis”, eis que o “Estado” surge na vida dessas pessoas (sim, são seres
humanos também!) na presença da Polícia, da Guarda Municipal ou dos
funcionários (servidores?) das Secretarias de Assistência Social.
Há alguns anos atrás conheci uma família muito pobre.
Miserável mesmo. Moravam às margens da linha do trem na favela do Arará, em
Benfica. Uma mãe e cinco filhos. Quatro meninas e um menino. Camila, Raquel,
Fabiana, Rafaela e Rafael. Não lembro, hoje, o nome da mãe. Convivi mais
diretamente com as crianças e a adolescente, Camila. A família passava por
privações materiais severas. Recebia ajuda de duas instituições espíritas, que
lhe ofertavam cestas básicas. Era uma ajuda importante, mas sinceramente, não
sei se suficiente. Penso mesmo que não. Viveram o contexto de uma favela
dominada pelo tráfico de drogas e a violência daí decorrente. A filha
adolescente conseguiu casar-se e mudou-se para o Nordeste. Parece-me que foi a
que teve melhor sorte. As outras três resvalaram pelo mundo das sensações
oferecido pelas relações afetivas sem compromisso. E sofreram as consequências
disso. Doenças sexualmente transmissíveis e gravidez fizeram parte do cotidiano
destas mães recém-saídas da infância. O menino flertou com o tráfico de drogas.
Contam, hoje, que ele largou essa vida e tem trabalho honesto.
Recupero, em especial, a história da Fabiana. Salvo
engano, ela foi a primeira a engravidar. Perdi, por alguns meses, o contato com
ela. Quando tornei a vê-la, eis que estava com a gravidez avançada. “Fabiana, onde você está fazendo o
Pré-Natal?” Perguntei-lhe. “Tio, ainda
não comecei. Fulana de tal vai me levar!” Respondeu-me. “Não deixe de ir, é importante!”
Terminei a conversa. Na semana seguinte, o diálogo praticamente se repetiu. E
na outra semana, eis que escuto a mesma coisa. “Fabiana, amanhã às 8hs no lugar tal para que eu te leve no Posto de
Saúde, para você começar o Pré-Natal.” Levei. Era olhado com desconfiança
pelos servidores da Saúde que, provavelmente, julgavam-me o pai da criança que
viria. Chamei uma amiga para me acompanhar, para quebrar um pouco dessa
desconfiança. Eis que, num determinado momento, a Fabiana abandona o Pré-Natal.
Deixa-nos esperando-a. No segundo ou terceiro furo conosco, fomos procura-la e
eis que a encontramos “alterada” psicologicamente. Sob o efeito de drogas? Quem
sabe? Desistimos. Pouco depois seu filho nasceu. Chamou-o de Douglas. Eis que,
algum tempo depois, com menos de um ano, se não me engano, a criança morre.
O tempo passou e as notícias que ia recebendo da Fabiana
não eram boas. Contraíra Sífilis, tivera outros filhos que não ficaram sob sua
guarda. Foram dados à adoção. Relataram-me que fora internada com transtornos
mentais algumas vezes. As notícias sempre nos causaram muita tristeza.
Na metade final de Março de 2012, quando eu passava próximo
ao Metrô de Triagem, voltando de Bento Ribeiro, ao olhar o trânsito para atravessar
a rua, pareço ver alguém conhecido. Voltei o rosto rapidamente. A pessoa, que
atravessava em sentido contrário e fizera o mesmo movimento de rosto que fiz,
só que na minha direção reconheceu-me e teve uma reação mais rápida que a
minha: “Marco Aurélio!” Gritou, sorrindo e veio ao meu encontro. “Fabiana!”,
exclamei, e me assustei. A menina que vira anos atrás alegre e bonita, apesar das
muitas dores que sofreu, estava alquebrada, suja, com cortes nos braços e uma
trouxa de roupas com um coelho gigante que se destacava, como a informar que
uma infância recusada teimava em resistir. Hoje com 22 ou 23 anos, relatou-me
que estava morando na rua. Não conseguia entender-se com sua mãe que, a essa
altura da vida, também passava por problemas de saúde que lhe incapacitariam ao
trabalho. O único que provia o sustento do lar seria seu irmão mais novo. Como ela,
Fabiana, não conseguia levar nada para casa, não se sentia a vontade de
permanecer ali. E a notícia que mais me machucou: é usuária de crack...
Perguntei-lhe se não tinha interesse em procurar um abrigo e buscar tratamento
para a dependência química. ELA DISSE QUE SIM! Procurei lembrar se conhecia
algum abrigo para mulheres. Não consegui. Perguntei-lhe onde estava dormindo. “Aqui
perto do Metrô, numa marquise!” Respondeu-me. Disse que tinha a expectativa de
ser recolhida quando os funcionários da Secretaria de Assistência Social
passassem. Fiquei de ver o que poderia fazer por ela. Saí desse encontro
machucado, triste e preocupado. Em casa, tive a ideia de, pelo Twitter, entrar
em contato com o Secretário Municipal de Assistência Social, o Sr. Rodrigo
Bethlem. E ele me respondeu, como podem ver abaixo:
Pouco depois, ele pediu-me um endereço de email para
entrar em contato. Solicitei-lhe que me adicionasse no Twitter para que lhe
mandasse isso por mensagem direta. Ele assim o fez. No dia 22 de Março de 2012
recebi as seguintes mensagens:
1ª) “Em
22/03, Rodrigo Bethlem escreveu:
Zeca,
Por
favor veja onde um usuario que deseja se tratar se encontra, com o sr marco
aurelio que eu copio”
2ª) “Em
22/03, servicodeabordagem social
servicodeabordagemsocial@gmail.com
22 mar
Senhor
Marcos,
Poderianos
informar seu telefone e o local onde se encontra a pessoa que esta precisando
De ajuda. Zeca”
Respondi no mesmo dia:
“Zeca,
tudo bem? Senhor só Jesus, certo? Rsrsrs Fique à vontade de tratar-me por você.
Meu celular é XXXX-XXXX. A moça está dormindo nas imediações do Metrô de
Triagem, próximo à entrada do bairro Carioca (que está sendo construido pela
Prefeitura). Encontrei-a na terça-feira. Ela me deu a entender que ficaria por
ali. Tenho disponibilidade para estar lá, procurando-a, por volta das 12:15 hs.
O nome dela é Fabiana. É negra, baixa (não sei estimar a altura), declara 23
anos (deve estar correta a idade) e tem, se não me engano, dois ferimentos
recentes em um dos braços (tem pontos recentes).
Se você
me ligar as 12hs amanhã eu parto para lá.
Grande
abraço!
Marco
Aurélio.”
Esperei uma semana e
nada. No dia 29/03 tornei a escrever:
“Zeca,
tudo bem? Estou no aguardo do seu contato. Segue, novamente, o meu telefone
XXXX-XXXX.
Grande
abraço!”
O tempo passou. Não vi mais a Fabiana, apesar de ter
andado pelo mesmo lugar que a encontrei na primeira vez. Uma senhora, grande
amiga minha, informou-me que a viu na UPA de Manguinhos, bem debilitada. Preocupei-me,
mas mesmo assim esperei. Em vão.
Esta semana, na última sexta-feira (18/05), quando ia dar
uma caminhada na praia para relaxar as ideias, quando olho para o outro lado da
Av. Dom Hélder Câmara, em Benfica, na altura do Supermercado Prezunic, quem eu
vejo? Fabiana! Sem trouxa de roupas, com vestes muito mais sujas que da
primeira vez, cabelos arrepiados, mais magra e mancando. Atravessei, correndo,
a rua e a abordei. “Marco Aurélio!”, Disse, surpresa. Cumprimentei-a. Disse que
não estava conseguindo colocar sua sandália porque surgiram bolhas em seu pé,
que a machucavam. Notei que tinha muito mais “tiques nervosos” que quando a
encontrei em Março. Relatou-me que dormia, agora, embaixo do viaduto de
Benfica. Perguntei-lhe, por três vezes, senão me engano, se desejava ir para um
abrigo e tratar-se. ELA, NOVAMENTE, DISSE QUE SIM! Pediu-me um salgado. Pedi para
tirar uma foto sua, com o celular, o que ela concordou. Da primeira, que a
mostrei, ela não gostou. “Ah... Essa está
feia!” Disse. “Então, eu tiro outra”,
Falei-lhe. Esperei-a mais para preparar-se e tirei. Mostrei-lhe e ela gostou.
Ainda existe esperança naquele coração, afinal, preocupou-se como apareceria.
NÃO DESISTIU TOTALMENTE DE SI. Fabiana apaga-se, lentamente, como uma vela. Como
uma usuária de crack. Como vários usuários de crack. Prometi que buscaria ajuda para ela. Saí desse
encontro com raiva, muita raiva, pela promessa não cumprida de ajuda do Sr.
Rodrigo Bethlem.
Onde buscar ajuda agora?