sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Insetos interiores e ratazanas morais


Quando li, recentemente, comentários favoráveis à jornalista Rachel Sheherazade, do SBT, em apoio à sua infeliz declaração legitimando a violência praticada contra um menor suspeito de cometer crimes no bairro do Flamengo (ver: http://oglobo.globo.com/cultura/revista-da-tv/sbt-comentario-polemico-de-rachel-sheherazade-de-responsabilidade-dela-11524549 ), me veio à mente uma expressão do Bertolt Brecht: “Eu vivo em tempos sombrios!” Setores da sociedade apoiando a vingança, em detrimento da Justiça, sem ao menos questionarem as razões/motivações daqueles a quem desejam os rigores da violência. 

Justiceiros são tomados como heróis. Assassinos são alçados à categoria de benfeitores sociais; propagandistas do ódio – como a (mal)dita jornalista – são aclamados como equilibrados, lúcidos, justos, e, portanto, legítimos em sua atividade panfletária. Até quando? Até quando os justiceiros, que fazem julgamentos ao arrepio da lei, julgarem sumariamente estes mesmos que, hoje, lhes aplaudem, insanamente, as atitudes. O “perfil do executado” coincide com o “perfil do encarcerado” que, por sua vez, coincide com o “perfil do excluído” socialmente; Não me venham com o sofisma de que a miséria não tem nada a ver com isso, de que existem pobres honestos, etc. Analisem os perfis mencionados acima e reparem na coincidência étnica – a pele negra – e social – a pobreza, que flerta com a miséria. Os “justiceiros” varrem, para longe das vistas dos INDIFERENTES SOCIAIS, o que aqueles mais ou menos estabelecidos na sociedade não querem ver. Racheis Sheherazades, Jaires Bolsonaros, Reinaldos Azevedos, Lobões e porcarias similares, são (com muitas aspas) “ideólogos” (porque intelectualmente são rasos como pires) da exclusão. Agora pergunto: e quando outras categorias de pessoas se tornarem indesejáveis? E quando estivermos inseridos na categoria das pessoas “indesejáveis” para justiceiros e seus legitimadores? A quem recorreremos? Haverá possibilidades de fugir à rapidez de um gatilho apertado a fim de recorrer a alguém ou ao ESTADO DE DIREITO? 

Os adeptos das soluções rápidas, quase sempre acomodados mentais e sociais, que vivem no automatismo de viver sem “pensar” a própria existência e a sociedade onde estão inseridos, não querendo envolver-se – para não se comprometer/perder tempo – gritam pelas soluções de improviso. E acusam os defensores dos Direitos Humanos de defensores de bandidos. Não, não somos defensores de bandidos. Ao defender os transgressores da lei da violência vingativa, sem lei, defendemos os Direitos de TODOS os Humanos, até daqueles que, raivosos, esquecem sua condição humana, sejam os que cometem crimes bárbaros, sejam aqueles que clamam vingança na mesma proporção. A defesa do direito de ser e do direito de receber um julgamento justo é o que todos nós esperaríamos para nós. Lembram da máxima cristã: fazer aos outros o que gostaríamos que nos fizessem? 

Quem escreve estas linhas não é santo. “Tenho em mim todos os sonhos do mundo”, como diria Fernando Pessoa. Mas acrescentaria que tenho, também, vários pesadelos do mundo, senão todos. Do contrário, estaria no Reino dos Céus. Me irrito com tudo que os outros se irritam. Não legitimo a violência cometida por aqueles que praticam crimes. Também sinto vontade de esganá-los (no mínimo). Agora, entre a vontade de fazer e a atitude, um abismo. Sinto a vontade, mas não faço e nem legitimo a ação daqueles que querem ser o braço de uma “justiça” sem julgamento justo. Não legitimo e não faço propaganda desse tipo de atitude, em razão de minhas convicções éticas e morais, as quais tento SINCRONIZAR COM MINHAS ATITUDES. Na condição de espírita cristão (redundância para enfatizar), sou contra a violência, ainda que reconheça que existe muito dela dentro de mim. A condição de espírita me coloca o dever moral de reformar-me, sob pena de maximizar meus conflitos “do outro lado” (porque eles já existem “neste lado”). Se me defino espírita cristão, devo agir enquanto tal. Nesta condição, é inconcebível legitimar processos violentos, sob quaisquer justificativas. Há quem o faça. Há quem se diga cristão e aplauda, estimule e sorria para essas atitudes. Que conviva com sua própria incoerência e se acerte com a própria consciência. 

“O Estado não funciona, é necessário que ALGUÉM faça algo...”, quase sempre é assim que os defensores dos indefensáveis justiceiros justificam as atitudes deles. Essa é uma atitude de INDIFERENTES SOCIAIS, que delegam a terceiros as responsabilidades que deviam tomar para si. “Abusam da própria miséria intelectual,
das mazelas vizinhas, do câncer e da raiva alheia”, como diria um poema do Teatro Mágico. Somos peças integrantes do Estado, que só funciona de maneira saudável com participação CIDADÃ. EXERÇA SUA CIDADANIA! Não pense que ela é um exercício que se pratica a cada dois anos nas eleições. Ela deve ser diária, constante, porque diz respeito ao nosso dia a dia. Saia do marasmo. O pior analfabeto que existe é o analfabeto político, como disse Bertolt Brecht. “O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo”, já falou o escritor alemão. “Faça perguntas sem medo, /não te convenças sozinho, /mas vejas com teus olhos. /Se não descobriu por si, /na verdade não descobriu./ Confere tudo ponto, /por ponto – afinal, /você faz parte de tudo, /também vai no barco, /"aí pagar o pato, vai, /pegar no leme um dia”, acrescentaria Brecht. 

Agora, estou seguro que haja pessoas que defendam esses valores não por ignorância política, mas sim por mau-caratismo, expressão de um posicionamento político preconceituoso e excludente. Gente indiferente com relação aos pobres e sua sorte, porque defensores de interesses dos abastados. Gente que usa as redes sociais como plataforma de seus preconceitos odiosos, agindo como verdadeiras “ratazanas morais” (Wilson Gomes), que andavam pelos subterrâneos, fugidios, mas que não tem perdido oportunidades de externar os sentimentos apodrecidos que carregam. Isso para não falar dos delírios de setores da classe média, que parecem temer os mais pobres, como a supor que eles lhes fossem tomar os lugares. Os que lhes tomaram alguma coisa não foram os pobres nos programas sociais do governo federal. Os 85 mais ricos do mundo detém o mesmo patrimônio que a METADE da população mundial (pesquise você). A esses tenho, apenas, a declarar que estamos em lados opostos. Vocês venceram muitas lutas, até agora, somente que suas vitórias foram odiosas e eu jamais gostaria de estar no lugar de vocês (viva Darcy Ribeiro!). Mas vocês passarão! E eu, passarinho (grande Mário Quintana!), farei de tudo para que vocês passem!