Rio de Janeiro! Cidade bonita, maravilhosa mesmo. Só que a cada dia que vivo aqui tenho a sensação de que não será para sempre. Não é uma cidade acolhedora para seus cidadãos. Deslocar-se por ela é um desafio de paciência e sobrevivência.
Perde-se muito tempo no trânsito; os transportes sobre trilhos são problemáticos; Pode-se perder a vida nos variados episódios de violência: longe das favelas dominadas pelo tráfico, assaltos; perto das favelas (com tráfico, milícia ou UPPs) por "balas perdidas" dos confrontos armados.
Os dependentes da Saúde Pública perdem precioso tempo de suas vidas esperando consultas e exames graças ao "invisibilizador de filas" chamado SISREG; Esperam, jogando com a morte, o atendimento nas emergências e UPAs da vida, quando elas tem médicos; O tempo de espera, em assuntos de saúde, manda a conta: doenças complexificam-se e levam a óbito.
Os que precisam da Educação Pública sofrem com falta de infraestrutura das escolas; falta de aulas por questões de segurança pública; quadro de professores e demais profissionais incompleto; materiais didáticos de qualidade duvidosa.
O refresco de uma sombra? Se estiver na Zona Sul será mais fácil encontrar uma árvore do que pelas ruas da Zona Norte. A natureza, é bom frisar, não faz distinção social.
"Ah... Mas tem as praias!", poderiam dizer-me. Sim, tem! Cada vez mais insalubres. Lembro das manhãs do início da década de 1990 na praia de Copacabana quando catava tatuí em suas areias antes de me esbaldar no mar. Hoje, estou seguro que as crianças e adolescentes que não saíram da cidade só conhecem o pequeno crustáceo através do Google, porque ele só aparece em praias limpas, o que não temos mais.
Você é pobre? Também não é bem vindo e nem bem visto nesta cidade cada vez mais cara e preconceituosa. Aqui, você não será bem tratado. Tem muita gente que está colocando pra fora de seus guarda-roupas morais os preconceitos cada vez mais feios e espúrios a respeito de vocês. Acham que vocês são todos: "vagabundos", "preguiçosos", "malandros", "imorais", "violentos". Pensam que se estão aqui devem ficar bem quietinhos em seus cantos, sem levantar os olhos, tolerando todos os tipos de injustiças que sofram. E devem fazer, também, cara de bobo feliz ou derramar copiosas lágrimas de emoção quando alguma madame religiosa (espírita, católica, judia, etc,.) lhes atire alguma moeda para se livrarem de sua incômoda presença, afinal de contas, com semelhante atitude, julgam-se "quites" com Deus, os anjos ou os Bons Espíritos, enquanto seus maridos ou filhos, em suas regadas rodas de amigos ou pelas redes sociais venham vociferar: por menos Estado; pela redução de políticas sociais; pela extinção de direitos trabalhistas; pela maioridade penal a partir dos 6 anos de idade; pela política de remoções do Prefeito Eduardo Paes e por aí a fora. Ah, religiosos do pau oco! "Já receberam sua recompensa", diria-lhes Jesus.
Sinto cada vez menos prazer de estar aqui, infelizmente. Cotidianamente, vejo muita gente - por aqui e pelos locais onde transito - usando óculos de indiferença quanto a tudo isso. Gente que sofre muitas dessas dores que descrevi e que, no entanto, naturalizam-nas, o que em última análise contribui para que estes problemas continuem piorando. Gente que não move uma palha para mudar o que quer que seja, ainda que pontualmente reclame disso ou daquilo. Acho simplesmente ridícula essa imagem que alguns meios de comunicação vendem e com a qual muitos se identificam, a do "carioca bobo alegre", que gosta e troca tudo pelo samba, pelo futebol e pela praia, inclusive a própria dignidade.
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