Cidadão carioca,
1 – Dizem que os índios tamoios,
ao verem as casas construídas pelos soldados de Estácio de Sá as chamaram de “cariocas”,
ou seja, casa de branco (“oca” = casa e “cari” = branco). Se for verdade, o
título do qual você se orgulha e que encabeça essas linhas tem origem indígena.
Mas você não anda muito preocupado com os índios, não é verdade? Para você,
eles estão em algum rincão perdido no meio da Amazônia, passando o dia caçando,
pescando e dançando. Trabalho, que é bom, nada, né? Passam o dia de bobeira,
para você... Os que estavam na Aldeia Maracanã (palavra que, suspeito, tem origem
indígena), ah, esses não são índios mesmo, né? Andando na cidade, com roupas de
“homens brancos”, até celulares usavam... Imagine... Foram removidos do Museu
do Índio e você nem ligou; foram tratados como animais; os que os apoiavam,
tidos como vagabundos e arruaceiros, também receberam gás de pimenta nos olhos
e foram carregados como coisas e você nem aí para a dor do “outro”...
2 – Famílias estão sendo
removidas de suas casas, em nome das grandes obras para os “grandes eventos”
(Copa do Mundo e Olimpíadas) que ocorrerão na cidade. Muita dor, muito
desespero, muita insegurança (psicológica, da parte das vítimas e jurídica,
pelo$ abu$o$ em nome do$ intere$$e$ e$cu$o$). E com cara de paisagem, você não
está nem aí para a dor do “outro”...
3 – Usuários de drogas,
especificamente de crack, que ficam pelas ruas são tratados como animais pelos
agentes da Secretaria Municipal de Assistência Social, levados à força para
lugares onde não recebem tratamento adequado, com o único objetivo do Poder
Público de os tirar das vistas da população, numa ação criticada por diversos
especialistas na área da saúde mental. E você, que tem “nojinho” dos “cracudos”
acha a medida excelente, afinal, você não está nem aí para a dor do “outro”...
4 – Os filhos dos
pobres, que estudam em escolas municipais, continuam sendo aprovados
automaticamente através de um dispositivo “malandro” da Secretaria Municipal de
Educação chamado “média global”. Servidores da Educação denunciam a situação,
bem como a precarização das condições de trabalho e carreira. Profissionais da
área abandonam carreira pública diante do quadro sinistro; as crianças recebem educação
“de fachada” e terão dificuldades futuras por isso. E você não está nem aí para
a dor do “outro”...
5 – Hospitais Municipais
onde os pacientes esperam horas para serem atendidos; onde suas marcações de
exames especiais e consultas, feitas pelo SisReg (que apenas torna invisível a
fila, retirando-a da porta das unidades), demoram meses, até mais de um ano; onde
UPAs e Clínicas da Família são bonitas por fora, mas pouco funcionais por
dentro, por causa da falta de profissionais; onde os profissionais da Saúde
sofrem, cotidianamente, com a precarização das condições de trabalho e de
carreira; Profissionais que, muitas vezes, abandonam a carreira pública por causa
disso. E você não está nem aí para a dor do “outro”...
O abuso dos “poderosos” conta demais com sua indiferença
Política. Precisa disso para manter-se no lugar onde está. Uma amiga de UFF,
Elizabeth Gama, ao referir-se a experiência de seu pai, vizinho do quartel da
Polícia do Exército, onde funcionou o DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa
Interna), palco de atrocidades cometidas por militares no período da Ditadura
Militar, ao “entrevista-lo” a respeito, este respondia: “Eu não fazia a menor ideia do que ocorria ali, do que ocorria no país.
Pra mim estava tudo "normal", meu salário era bom”.
Uma professora da mesma universidade, Samantha Quadrat, numa disciplina
sobre Franco e Pinochet, lembrou, em sala a mesma coisa. Uma região cheia de
prédios em torno do quartel e ninguém viu nada de errado acontecer...
Aos
indiferentes politicamente, àqueles que não estão nem aí para a
dor do “outro”, quero dedicar os seguintes pensamentos:
"Este lugar, o mais
horrendo e ardente do inferno, está reservado para aqueles que, em tempos de
crise moral, optaram pela neutralidade ."
Dante Alighieri
“Assim, porque és morno, e não
és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca.”
Apocalipse, 3:16.
“− Será suficiente não se fazer o mal, para ser
agradável a Deus e assegurar uma situação futura?
− Não: é preciso fazer o bem, no limite das
próprias forças, pois cada um responderá por todo o mal que tiver ocorrido por
causa do bem que deixou de fazer.”
(Pergunta
642, de O Livro dos Espíritos − Allan Kardec)
“O que
me assusta não são as ações e os gritos das pessoas más, mas a indiferença e o
silêncio das pessoas boas”.
Martin Luther Kink Jr.
“Odeio os indiferentes. Como
Friederich Hebbel, acredito que "viver significa tomar partido". Não
podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive
não pode deixar de ser cidadão e de tomar partido. Indiferença é abulia,
parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.”
Antonio Gramsci
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