Aqui
é o estrado para os teus pés,
que
repousam aqui,
onde
vivem os mais pobres, mais humildes e perdidos.
Quando
tento inclinar-me diante de ti,
a
minha reverência não consegue alcançar
a
profundidade onde teus pés repousam,
entre
os mais pobres, mais humildes e perdidos.
O
orgulho nunca pode se aproximar
desse
lugar onde caminhas
com
as roupas do miserável,
entre
os mais pobres, mais humildes e perdidos.
O
meu coração jamais pode encontrar
o
caminho onde fazes companhia
ao
que não tem companheiro,
entre
os mais pobres, mais humildes e perdidos.
Rabindranath
Tagore
Como
foi do conhecimento de alguns, a nossa amiga Fabiana, que estava internada no
Hospital Municipal Philippe Pinel, em Botafogo, recebeu alta desta unidade na
última quarta-feira, dia 01/08/12. Não tivemos ocasião de pensar o momento
posterior a esta internação. Nossa amiga Carol Malagolli Engel, no entanto, veio
em nosso socorro ao final deste dia, colocando-nos a possibilidade de conseguir
internação em alguma clínica de recuperação de dependentes químicos
administrada por igrejas protestantes. Dessa forma, não levamos a Fabiana para
o endereço de sua mãe, no interior da comunidade do Jacaré. Pernoitou em nossa
instituição, enquanto aguardávamos contato dos amigos que se mobilizaram para interna-la.
Algumas
dificuldades surgiram. A maioria das clínicas recebiam apenas homens. Existia uma
possibilidade para a quarta-feira da semana seguinte (dia 08/08/12). No entanto,
um telefonema, ao final da tarde do dia 02/08/12 me alarmou: o amigo Paulo avisava-me
que a Fabiana não queria permanecer na sede de nossa instituição. Fui lá
imediatamente. Ao chegar, encontro-a com expressão desanimada, na porta. Pedi que
entrasse para conversarmos. Narrou-me que sentia falta da droga. Sentiu o peso
do desafio que tinha sob as costas. Conversamos, procurei fazê-la ver que não deveria
desistir de si mesma. Oramos. Acalmou-se. Fiz-lhe companhia, enquanto Paulo,
Carol e Nathália, também de nossa instituição, procuravam pesquisar/contatar
pessoas para conseguir uma clínica para Fabiana. Paulo, por fim, entrou em
contato com o pessoal da Secretaria Municipal de Assistência Social num
container localizado no Catete, em frente ao CIEP Tancredo Neves. Conseguimos que
ela fosse encaminhada a um abrigo da Prefeitura onde, posteriormente, seria
encaminhada a uma clínica de reabilitação. Eu deveria chegar com ela às 21:30hs
porque a van da SMAS chegaria às 22hs para partir.
Ao
chegarmos, esperamos o Paulo no ponto de ônibus em frente ao container. Quando ele
chegou, fomos de encontro a ele. Entramos no container. Começamos a conversar
com o supervisor de plantão, que tinha conseguido, num programa, as informações
da Fabiana. Eis que, em determinado momento, ela começa a olhar, de maneira
estranha para cima, quase revirando os olhos. Começa a perder o equilíbrio,
quase caindo da cadeira. Amparamo-la. Cogitam leva-la para o Pinel. Mudam de ideia.
Resolvem leva-la para o Centro de Psiquiatria do Rio de Janeiro (CPRJ), na
Gamboa. O motorista correu feito um alucinado na rua. Justifica-se: a Fabiana
descontrolou-se no interior da van. Precisamos contê-la. Lá chegando, levamo-la
para o interior da unidade e aguardamos atendimento, ainda tendo necessidade de
segurá-la. O médico apareceu, examinou-a e fez uma medicação. Em pouco tempo,
estabilizava. Neste meio tempo, o pessoal da SMAS retirou-se. Com a situação
estabilizada, fui no banheiro. Quando volto, encontro o Paulo nervoso: o médico
liberava de alta a Fabiana. Para onde leva-la? Ficamos desnorteados. O médico
mostrava-se irritado com a atitude do pessoal da SMAS. Paulo ligou para
Nathália e eu para meu amigo Gabriel, a fim de recebermos sugestões sobre o que
fazer. Gabriel recomendou-me que conversasse com o médico, buscando negociar
com ele a permanência dela na unidade até a parte da manhã, quando buscaríamos
um local para ela. Caso o médico se recusasse, recomendou-me buscar o plantão do
Judiciário, no prédio do Tribunal de Justiça, no Centro do Rio. Não foi
necessário, graças a Deus. O médico, mais calmo, explicou-nos que a atitude dos
funcionários da SMAS foi reprovável, largando-nos naquela situação. Resolveu conversar
com a Fabiana. Depois da conversa, decidiu mantê-la naquela noite. Saímos de lá
eram mais de 23hs. Fabiana estava lúcida novamente. Caminhamos até a Av. Rio
Branco onde tomamos o taxi, com o compromisso de retornarmos ao CPRJ às 8hs da
manhã. Em casa, ainda li alguma coisa sobre o programa “Enfrentando o Crack”,
do container da SMAS que a levamos.
O sono
foi tenso. Acordei antes do relógio. Mandei mensagem de celular para meu chefe
no trabalho, mensagem que não chegou para ele, conforme me falou mais tarde. Partimos.
Na unidade novamente, conversamos com a Assistente Social Karen, que nos
atendeu atenciosamente. Explicamos a situação da Fabiana. Ela também se mostrou
incomodada com a atitude da SMAS. Disse-nos que por volta das 11hs teria
definição da situação da Fabiana, mas o mais certo seria a alta dela. Propôs alternativas
de tratamentos/encaminhamentos para outras unidades. Retornamos ao Catete e
conversamos com outros servidores, do plantão da última sexta (03/08/12). Deixamos
encaminhada a possibilidade da Fabiana ir para o abrigo localizado na Ilha do
Governador para, posteriormente, ser direcionada para uma clínica de recuperação
de dependentes químicos. Retornamos ao CPRJ. Karen já tinha entrado em contato
com o pessoal da SMAS do container. Deu-nos a receita da Fabiana, que naquela
manhã mostrava-se muito melhor.
Fomos para
o Catete. A previsão era de que a van da SMAS saísse de lá por volta das 15hs. Depois
de conferirmos as informações da Fabiana no container e de breve conversa dela
com os atendentes de lá, onde reafirmou a vontade de vencer a dependência
química, fizemos hora no Museu da República. Pausa importante. Um cochilo breve
aliviou-nos um pouco o peso das últimas horas. Faltando uma hora, lanchamos,
ela medicou-se e fomos para o container. Fabiana, coitada, ainda teve dor de
dente. Paulo providenciou um anestésico local. Assim que ela o aplicou, o
motorista da van preparou-se para leva-la. Despedimo-nos. Fabiana estava,
graças a Deus, encaminhada novamente. Prometemos-lhe roupas e visitas. Partiu. “Missão
dada é missão cumprida”, disse ao Paulo, lembrando o Tropa de Elite...
Despedimo-nos com um cansaço bom, do dever cumprido. A palestra do tribuno
espírita Divaldo Pereira Franco, que pretendia ir naquele dia, na UERJ, não foi
possível. Acho que vivemos uma experiência tão intensa quanto ela.
***
Hoje (04/08/12), por volta das 16hs, quando fotografava
na Praia de São Conrado, com algumas preocupações pessoais na cabeça, tentando
distrair-me com a paisagem, o celular toca. “É do abrigo Municipal Irmã Dulce (Unidade
Municipal de Albergamento Irmã Dulce, conforme http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?article-id=1221666
). É o sr. Marco Aurélio?” perguntou-me. “Sim”, respondi. “Temos uma abrigada,
a Fabiana Cruz de Oliveira, que diz ser sua sobrinha, quer falar contigo.” “Pois
não”, respondi-lhe. Fabiana mostrava a voz embargada. Parecia emocionada. Falou-me,
com entusiasmo, que tinha escrito naquele dia (ela sabe ler, mas sempre
assinala que não consegue escrever), que o local era legal, que tinha
professoras. Estava tomando seus remédios direito e que lhe deram algumas
roupas, mas assinalou que ainda precisava disso. Perguntou-me quando iria lá. “A
partir de quarta, provavelmente, Fabiana”, respondi. Despedimo-nos. Meus problemas,
que me levaram a dar o passeio pela praia, pareceram menores. Voltei para casa,
pensando como contar-lhes esta história, que não acabou, mas que tem vivido
capítulos muito melhores agora. Deus permita que continue assim.
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