O "Manifesto Estamos Juntos" tem umas coisas que me incomodam.
1) Embora propositivo, lança alicerces vagos para o pós-Bolsonaro que podem ser perigosos para os interesses dos trabalhadores. Preferia que se restringisse à retirada de Jair Bolsonaro do poder.
2) "Unir a pátria e resgatar nossa identidade como nação".
Essa busca por homogeneidade é problemática. Ela acaba enquadrando, as vezes com muita violência, aqueles que não se encaixariam nessa unidade. Em nome dessa "união", a dissidência costuma ser calada.
Há que se pensar, também, se essa unidade já existiu alguma vez. O Brasil não é sentido e vivido da mesma maneira pelo grande empresário e pelo trabalhador informal. O lugar de classe social determina bastante a maneira como estes atores vivem e sentem o mundo. Quem mora na Vieira Souto, no Leblon experiencia essa identidade diferentemente de quem vive na favela de Antares, em Santa Cruz.
3) "Projeto comum de país".
Em benefício de quem? Em favor de quem? O número 4 começa a responder.
4) "(...) deixar de lado velhas disputas em busca do bem comum. Esquerda, centro e direita unidos para defender a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade, o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na economia."
Numa sociedade dividida por classes sociais tem como não existir disputas? Ou os interesses do trabalhador informal podem ser equiparados ao do Luciano Huck? O "bem comum" tem tudo para ser transformado naquilo que pessoas como Luciano Huck entendem por isso.
Se estão supostamente trabalhando pelo bem comum e em defesa da lei e da ordem, o enquadramento pode vir pesado através delas para colocar no seu devido lugar aqueles que encontram-se deslocados desta realidade, à sua margem, por causa da "responsabilidade na economia", que reforma a previdência, que terceiriza a mão de obra, que retira direitos trabalhistas, que privatiza e esvazia o serviço público, que retira investimentos de saúde e educação públicos.
5) "Defendemos uma administração pública reverente à Constituição, audaz no combate à corrupção e à desigualdade, verdadeiramente comprometida com a educação, a segurança e a saúde da população. Defendemos um país mais desenvolvido, mais feliz e mais justo."
O problema é como combater a desigualdade com a tal da "responsabilidade na economia" no cangote, carta que costuma ser acionada pelos liberais (estão entre os que assinam esse documento) para castrar gastos sociais e direitos trabalhistas. País desenvolvido e justo será alcançado através da trilha liberal? Penso que não.
Gostaria de ver expresso o compromisso com a saúde e educação PÚBLICAS. Quando isso fica em aberto, a gente pode suspeitar, com muitas chances de acerto, que a porta está aberta para a terceirização em nome da "responsabilidade na economia" e na "modernização do mundo do trabalho" (que não está citada no documento, mas também é uma carta acionada por liberais). É necessário verificar, também, se esse compromisso com a segurança não reproduzirá a lógica de guerra aos pobres com o verniz de guerra às drogas.
É melhor um movimento desses, que de alguma maneira oponha-se ao Jair Bolsonaro, do que nenhum movimento?
É melhor. Que ele tome um pé na bunda o quanto antes. Agora, que se tenha em mente que o movimento não é neutro. Ele tem uma visão de política e de economia junto a qual ele tenta criar consensos.
Importante destacar, também, que os liberais se incomodaram muito pouco com a eleição de Jair Bolsonaro. Quando querem passar sua agenda econômica, não se preocupam com quem vai fazer o trabalho, desde que ele seja feito. Se for autoritário, tanto melhor, como aconteceu no Chile de Pinochet. Bolsonaro começa a desagradar setores da burguesia porque está "salgando o solo", destruindo possibilidades de captação de investimentos e de entrega das reformas que retiram direitos dos trabalhadores, além de seu fracasso no combate à pandemia do coronavírus. As estatísticas econômicas, que já eram ruins, tem viés de grande piora para o futuro.
Espero, sinceramente, mas também com grande receio que não se concretize, que os movimentos sociais das esquerdas (porque os partidos estão à reboque das disputas eleitoreiras) organizem-se para criar uma pauta para disputarem esse pós-Bolsonaro que esperamos.
Por hora, é isso.
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