quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Sobre Ciência Política

O que significa a “predação” da renda pública ou o rent-seeking, conforme a formulação de Silva?

 

            De acordo com as formulações de Silva, apresentadas no primeiro capítulo de sua obra “A Predação do Social”, o rent-seeking, ou a predação da renda pública significa a apropriação, por parte de grupos privados, em detrimento de outros desta renda. Isto se daria em função da ausência de condições de equilíbrio e concorrência perfeita, decorrente da presença de situações de monopólio ou oligopólio.

            Estes agentes econômicos dispenderiam recursos para conseguir o monopólio e evitar que outros grupos consigam se inserir, tornando-se competidores. Gastam, buscando aliciar os agentes públicos objetivando a obtenção de rendas públicas através de incentivos fiscais, subsídios ou, até mesmo, transferências diretas. Não é incomum, nos meios de comunicação[1] as notícias de prefeituras ou Estados “disputando” a instalação de empresas oferecendo, entre outras coisas, incentivos e isenções fiscais para grupos que, em última análise, teriam perfeitas condições de instalarem-se normalmente, pagando o que deveriam em matéria de impostos.

Imbricada nesta análise, temos o Híbrido Institucional Brasileiro, um modelo formulado por Wanderley Guilherme dos Santos, chamando-nos a atenção para a coexistência, na sociedade brasileira, de uma poliarquia cuja penetração é limitada com um corporativismo de ordem restrita, porém mais atuante, que incorpora grupos da sociedade, sendo que este corporativismo pode e causa efeitos mais significativos na extração de rendas governamentais.

Silva nos chama a atenção, também, para o acesso diferenciado e desigual ao processo político e decisório das rendas públicas, o que provoca a potencialização do processo predatório. Uma vez que a competição restringe-se a grupos de acesso privilegiado, pode-se caminhar para um processo de fechamento maior, com o risco de descambar-se para a monopolização no acesso e uso destas rendas públicas. Comenta, ainda, que a predação ocorre, provavelmente, em maior grau, pelo lado da oferta de políticas sociais onde esteja envolvida a contratação de fornecedores privados de insumos para essas políticas. Isto faz recordar-nos de que, recentemente, na cidade do Rio de Janeiro, a imprensa noticiou que o pão fornecido por uma empresa para as escolas municipais, apesar de ser mais leve (30g) que aquele que estamos acostumados a comprar nas padarias (50g), seu custo, para os cofres municipais, é maior[2].

Por fim, o formato oligopolizado, que estrutura as relações entre agentes públicos e privados, que produz muita predação, se consolidou no tempo, não sendo um fenômeno de surgimento recente. A permeabilidade das instituições burocráticas a esses grupos privados, aproveitando-se da fragilidade institucional da poliarquia, acabam submetendo-a, fazendo com que respondam, positivamente, a seus interesses, em detrimento da coletividade.

 

Enumere as principais características do “Híbrido Institucional Brasileiro”, conforme as propostas do modelo de Wanderley Guilherme dos Santos, interpretadas por Silva.

 

Interpretando as formulações de Wanderley Guilherme dos Santos a respeito do Híbrido Institucional Brasileiro, Silva menciona a aplicação do modelo dahlsiano, de Robert Dahl, como uma discussão preliminar necessária. Este modelo estabelece dois eixos para a compreensão da evolução política das sociedades, a saber: o eixo da liberalização, que indica o nível da competição política e o eixo da participação, que se refere à capacidade da população de participar desta competição.

O caso brasileiro enquadraria-se, para Santos, no seguinte caminho apresentado por Dahl: partiria-se de uma oligarquia fechada, passando-se a uma fase de participação extra-oligárquica, alcançando-se uma oligarquia inclusiva e, a partir desta, daria-se a institucionalização do processo político competitivo, numa situação de poliarquia. A peculiaridade residiria na utilização, pelo Estado brasileiro, da política social como mecanismo para enfrentar os conflitos distributivos entre empresários e classe trabalhadora. Assim, haveria no Brasil um padrão corporativo onde o Estado apresenta alto grau de interferência regulatória objetivando compensar a pouca ou ausente institucionalidade da competição política.

O híbrido seria uma espécie de dicotomia institucional, ocupada por diferentes classes sociais. Em um dos seus pólos constitutivos temos uma poliarquia, define-se, segundo Santos, por elevado grau de institucionalização da competição pelo poder com extensa participação política. O outro extremo seria uma cultura hobbesiana pré-contrato e predatória, existindo concomitante à poliarquia. Não é difícil notar que, a despeito de um bom número de sindicatos, organizações de classe e partidos políticos, bem como instituições públicas que objetivam dirimir conflitos, a adesão a alguma destas organizações, ou a utilização destas instituições, por parte de grande parcela da população, é pequeno, se comparado as dimensões populacionais que o Brasil possui. Como resultante, temos a proliferação da justiça privada, de subculturas de crime, constituindo-se no lado reverso da poliarquia. O exemplo que salta à mente, sem dúvidas, é o das realidades dominadas pelo tráfico de drogas e, recentemente, pelas milícias, ambos poderes paralelos ao do Estado. Com muita propriedade também, Santos menciona os enormes contingentes de excluídos, outsiders, presentes no híbrido institucional brasileiro que são deixados de fora do processo político, sem serem alcançados pelos instrumentos poliárquicos e nem pelos interesses corporativistas. Quando muito são alcançados de maneira residual através de práticas clientelísticas. Como decorrência da baixa institucionalidade da poliarquia, os setores privados mais poderosos, através de grupos de pressão, lobbies, tentam transformar as agências públicas em aliadas, canalizando para si recursos de políticas distributivas fundamentais, no fenômeno denominado de predação de rendas públicas.

 



[1]   Meios de comunicação que são concessões públicas, conseguidas, muitas vezes, através de expedientes bastante duvidosos, quase sempre favorecendo aliados políticos, não sendo raro mesmo que vários políticos possuam estas concessões.

 

[2] “A CPI foi criada para apurar irregularidade no fornecimento de alimentos às escolas. As denúncias mostraram, entre fevereiro e maio, distorção no preço do pão careca. O quilo do pãozinho distribuído aos 750 mil alunos municipais custava mais do que o da carne. Por um ano, o pão de 30g foi mais caro que o de 50 g: o menor custava R$ 0,32, e o maior saía por R$ 0,24”. Disponível em: http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI4049472-EI8139,00.html. Último acesso em 22/10/2009.

 

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